segunda-feira, 25 de maio de 2015




O ESPÍRITO QUE SOPRA AONDE QUER

Pentecostes tem a ver com o sopro do Espírito e, sobre isso, o nosso desafio é sermos humildes. Pois, sim, às vezes chegamos a tal ponto que limitamos por onde e como Deus age no mundo. Negamos a todo custo a diversidade da natureza, das pessoas, e, se não bastasse, da própria ação divina. Precisamos refletir continuamente para evitar e desconstruir essa ideia.

Eu, nessa última semana, tenho sentido a manifestação de Deus na ocupação da reitoria da Universidade Federal de Juiz de Fora. No meio de estudantes, a maioria não religiosos, esquerdistas, fumantes... tudo o que o moralismo pôs às margens da presença divina, como se pudesse conter a sua onipresença.

Estamos vivendo nesse prédio público em defesa de assistência estudantil; de uma integração real do espaço da Universidade com a população do entorno, principalmente, os negros que são violentamente reprimidos; por políticas de combate às opressões, enfim, em defesa daqueles que foram e são excluídos. Inclusive, muitos que aqui estão, como eu mesmo, vivem em situação de vulnerabilidade social e dependem integralmente do apoio financeiro da universidade para continuar e concluir seus estudos.

Nesse domingo, o Espírito soprou de forma bem diferente na vida da nossa comunidade. Não falamos a língua dos anjos, mas creio que fomos as mãos e os pés de Deus. Na capela não houve celebração pela manhã, ou melhor, ela não foi dentro dos padrões litúrgicos da Tradição. A nossa liturgia foi misturar feijão, servir cerveja, refrigerante e comer junto com irmãos de outras denominações.  Ao fim, decidimos doar o restante da feijoada para os estudantes que participam da ocupação. Oferecemos também aquecedor, banho e uma cama quentinha aos que tiverem maior necessidade. Apoiamos a causa desses setores que a universidade vem excluindo: a nossa luta por justiça é a mesma dos estudantes.

Fico feliz pelo testemunho que demos. Dois colegas do Instituto de Ciências Humanas foram comigo à nossa igreja buscar a feijoada. Tocados pela nossa boa vontade, perguntaram sobre nós; eu tentei resumir a nossa beleza, que – parafraseando Dostoievski –   busca contribuir para a salvação do mundo. Ficaram impressionados por celebrarmos em uma casa, pelo fato de todos os membros terem acesso às chaves, pelo nosso engajamento em defesa dos excluídos, tanto em âmbito religioso quanto político. Mais tarde, esquentamos a comida que a todos satisfez; de olhos arregalados exclamavam: “Foi a Igreja Anglicana, gente! Ela que doou a feijoada!”. Um deles falou: “Essa sua igreja nos acolheu...” Então percebi que estamos no caminho certo, pois estamos no poder do Espírito Santo. Aleluia!

Breno Ricardo
Juiz de Fora, 25 de maio de 2015



Reflexão





O COMPROMISSO HUMANO DE MUDAR O MUNDO


Ser homem é uma vantagem social; ser branco é uma vantagem social; ser cristão, no ocidente, é uma vantagem social; e ser heterossexual também o é.

No domingo passado, dia 17, celebramos a Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Representa-se tal ascensão apagando o círio, pois a partir de então é delegada a todos a responsabilidade de construir o Reino, ou seja, um mundo melhor, com autêntica justiça. Mais do que nunca a luz do mundo somos todos nós. Provavelmente, você leu esse “todos” como “anglicanos” ou se muito, como “cristãos”, mas quero deixar claro que “todos” aqui são “todos”, independente de cor, cultura, orientação sexual, gênero, religião – e não religião. O principal chamado de Jesus, que é universal, não é para fortalecer instituição religiosa ou recitar o credo, na verdade, seguir Jesus é fazer o que ele fazia, que era acolher os oprimidos e torná-los participantes de uma vida na terra, que garanta a liberdade para todos e todas serem quem realmente são.

Infelizmente a Bíblia foi e é muitas vezes utilizada para justificar diversos tipos de opressões. Alguns casos, como o da escravidão, graças à Divina Providência e a ação positiva de pessoas que foram além da preguiça, do senso comum, do mais-do-mesmo, e resolveram repensar essas interpretações, foi ideologicamente superado (pois, na prática, a luta continua: a escravidão não está extinta).

Coincidentemente, nesse domingo, celebrou-se o dia internacional contra a homofobia. Em nossa homilia conversamos sobre a relação entre esse dia de luta e o que aprendemos por meio das atitudes de Cristo, que é acolher a todos e lutar pelo fim das opressões. Refletimos sobre alguns textos bíblicos com o intuito de esclarecê-los, considerando suas possíveis traduções e os contextos históricos nos quais foram escritos. Percebemos que na verdade eles não se referiam a uma condenação dos LGBT, mas devido a infelizes traduções e interpretações moralistas, pautadas principalmente no machismo, acabaram tomando esse teor excludente. Como eu disse no início é uma vantagem social ser homem heterossexual e os setores dominantes da sociedade deixam implícito em seu discurso que consideram um absurdo uma pessoa ter nascido com o privilégio de ser homem e renegá-lo.

O chamado de Deus à participação em sua obra de transformação do mundo, reitero, é para ateus, cristãos, muçulmanos, animistas, comunistas, gays, travestis, lésbicas, negros, brancos, enfim, todos e todas MESMO. E nossa comunidade está comprometida com essa causa. Vamos lutar até o fim por um mundo sem vantagens sociais, verdadeiramente livre de opressões, justo e pacífico.

Juiz de Fora, 24 de maio de 2015

Breno Ricardo